Para escrevermos sobre uma História Cultural do Século XX precisamos, antes de mais nada, delimitar esse Século. Não se pode apenas delimitar um século como um período de cem anos, principalmente quando o assunto é cultura, pois a mesma não se prende a datas, ao tempo, a conceitos temporais pré-estabelecidos. Por isso, resolvemos utilizar uma marcação de tempo criada pelo historiador Eric Hobsbawn:
Zurique (onde outro grupo de exilados, sob Lenin, aguardava a
revolução), em 1916, como um angustiado mas irónico protesto niilista
contra a guerra mundial e a sociedade que a incubara, inclusive contra
sua arte. Como rejeitava toda arte, não tinha características formais,
embora tomasse emprestados alguns truques das vanguardas cubista e
futurista pré-1914, entre eles a colagem, ou montagem de pedaços de
imagens, inclusive de fotos. Basicamente, qualquer coisa que pudesse
causar apoplexia entre os amantes de arte burguesa convencional era
dadaísmo aceitável. O escândalo era seu princípio de coesão. Assim, a
exposição por Mareei Duchamp (1887-1968) de um vaso de mictório público
como "arte instantânea" em Nova York, em 1917, encaixava-se
perfeitamente no espírito do dadaísmo, a que ele se juntou ao voltar
dos EUA; mas sua discreta recusa posterior a ter qualquer relação com a
arte — preferia jogar xadrez — não. Pois nada havia de discreto no
dadaísmo.
(*) Matisse e Picasse; Schõnberg e Stravinsky; Gropius e Mies van
der Rohe; Proust, James Joyce, Thomas Mann e Franz Kafka; Yeats, Ezra
Pound, Alexander Blok e Anna Akhmatova. (**) Entre outros, Isaac Babel
(1894); Lê Corbusier (1897); Ernest Hemingway (1899); Bertolt Brecht,
Garcia Lorca e Hamus Eisler (todos nascidos em 1898); Kurt Weill (1900);
Jean-Paul Sartre (1905); e W. H. Auden (1907). 779
O surrealismo, embora igualmente dedicado à rejeição da arte como
era até então conhecida, igualmente dado a escândalos públicos e (como
veremos) ainda mais atraído pela revolução social, era mais que um
protesto negativo; como seria de esperar de um movimento centrado
principalmente na França, um país onde toda moda exige uma teoria. Na
verdade, podemos dizer que, enquanto o dadaísmo naufragava no início da
década de 1920 com a era de guerra e revolução que lhe dera origem, o
surrealismo saía dela com o que se tem chamado de "uma súplica pela
ressurreição da imaginação, baseada no Inconsciente revelado pela
psicanálise, os símbolos e sonhos" (Willett, 1978). Sob certos aspectos, foi uma ressurreição, em trajes do século xx
(ver A era das revoluções, capítulo 14), porém com mais senso de absurdo
e diversão. Ao contrário das vanguardas "modernistas" dominantes, mas
como o dadaísmo, o surrealismo não se interessava pela inovação formal
como tal: se o Inconsciente se expressava num fluxo aleatório de palavras ("escrita automática"), ou no meticuloso estilo académico
século xix em que Salvador Dali (1904-89) pintava seus deliqüescentes
relógios em paisagens desertas, pouco importava. O que contava era
reconhecer a capacidade da imaginação espontânea, não mediada por
sistemas de controle racional, para extrair coesão do incoerente, e uma
lógica aparentemente necessária do visivelmente ilógico ou mesmo
impossível. O Castelo nos Pireneus, de René Margritte (1898-1967),
cuidadosamente pintado à maneira de um postal, sai do topo de uma rocha
imensa, como se houvesse brotado ali. Só que a rocha, como um ovo
gigante, está flutuando no céu acima do mar, pintados com igual cuidado
realista. O surrealismo foi uma contribuição autêntica ao repertório das
artes de vanguarda e sua novidade foi atestada por sua capacidade de
causar impacto, incompreensão ou, o que era a mesma coisa, de provocar
um riso às vezes embaraçado, mesmo entre os membros da vanguarda mais
antiga. Essa foi a minha própria reação, admitidamente juvenil, à
Exposição Surrealista Internacional de 1936 em Londres, e depois a um
amigo pintor surrealista em Paris, cuja insistência em produzir o exato
equivalente em óleo de uma foto de entranhas humanas achei difícil de
entender. Apesar disso, em retrospecto, deve ser visto como um movimento
admiravelmente fértil, sobretudo na França e em países como os
hispânicos, onde a influência francesa era forte. Influenciou poetas de
primeira categoria na França (Eluard, Aragón); Espanha (Garcia Lorca);
Europa Oriental e América Latina (César Vallejo no Peru, Pablo Ne-ruda
no Chile); e na verdade parte dele ainda ecoa na literatura de "realismo
mágico" daquele continente muito tempo depois. Suas imagens e visões —
Max Emst (1891-1976), Magritte, Joan Miro (1893-1983) e sim, mesmo
Salvador Dali — tomaram-se parte das nossas. E, ao contrário da maioria
das vanguardas ocidentais anteriores, de fato fertilizou a principal
arte do século xx, a da câmera. Não por acaso o cinema tem dívidas com
o surrealismo não apenas de LUÍS Bunuel (1900-83), mas também do
principal roteirista do cine- 180 ma francês nessa era, Jacques Prévert (1900-77), enquanto o
fotojomalismo tem dívidas com o surrealismo de Henri Cartier-Bresson
(1908-).
No entanto, somando-se tudo, estas foram ampliações da revolução
da vanguarda nas grandes artes, que já se dera antes que o mundo cujo
colapso ela expressava se fizesse de fato em pedaços. Três coisas se
podem observar sobre essa revolução na era dos cataclismos: a vanguarda
se tomou, por assim dizer, parte da cultura estabelecida; foi pelo
menos em parte absorvida pela vida cotidiana; e — talvez acima de tudo —
tomou-se dramaticamente politizada, talvez mais que as grandes artes em
qualquer período desde a Era das Revoluções. E, no entanto, jamais
devemos esquecer que, durante todo esse período, continuou isolada dos
gostos e preocupações das massas do próprio público ocidental, embora
agora o invadisse mais do que esse público em geral admitia. A não ser por uma minoria um tanto maior que antes de 1914, não era do que a
maioria das pessoas real e conscientemente gostavam.
Dizer que a nova vanguarda se tomou fundamental para as artes
estabelecidas não é afirmar que tomou o lugar do clássico e da moda, mas
que complementou os dois, e se tomou a prova de um sério interesse por
assuntos culturais. O repertório operístico internacional continuou
sendo essencialmente o que era na Era dos Impérios, tendo compositores
nascidos no início da década de 1860 (Richard Strauss, Mascagni), ou
mesmo antes (Puccini, Leoncavallo, Janacek), como os extremos limites
da "modernidade", como, em termos gerais, ainda continuam.*
Contudo, o parceiro tradicional da ópera, o bale, foi transformado
num considerável veículo de vanguarda pelo grande empresário russo
Sergei Diaghilev (1872-1929), sobretudo durante a Primeira Guerra
Mundial. Após sua montagem de 1917, em Paris, de Parade (desenhos de
Picasse, música de Satie, libreto de Jean Cocteau, notas do programa de
Guiliaume Apoilinaire), cenários de gente como os cubistas George Braque
(1882-1963) e Joan Gris (1887-1927); música composta ou reescrita por
Stravinsky, De Falia, Milhaud e Poulenc tornaram-se de rigueur,
enquanto os estilos de dança e coreografia eram modernizados de acordo.
Antes de 1914, pelo menos na Grã-Bretanha, a Exposição
Pós-Impressionista fora vaiada por um público filistino, enquanto
Stravinsky causava escândalo aonde quer que fosse, como causou o Armory
Show em Nova York e em outras partes. Após a guerra, os filistinos
calaram-se diante das provocativas exposições do "modernismo", das
deliberadas declarações de independência do desacreditado mundo do
pré-guerra, manifestos de revolução cultural. E, através do bale
modernista, explorando sua combinação única de apelo esnobe, magnetismo
da voga (mais a nova Vogue)
(*) E significativo o fato de que, com relativamente raras
exceções —Alban Berg, Benjamin Britten — as grandes criações para o
palco musical após 1918 — por exemplo A ópera dos três vinténs,
Mahagonny, Porgy and Bess — não tenham sido escritas para teatros de
ópera oficiais. 181
e status artístico de elite, a vanguarda irrompeu de sua paliçada.
Graças a Diaghilev, escreveu uma figura típica do jornalismo cultural
britânico da década de 1920, "a multidão apreciou positivamente os
cenários dos melhores e mais ridicularizados pintores vivos. Ele nos deu
Música Moderna sem lágrimas e Pintura Moderna sem risos" (Mortimer,
1925). s^ O bale de Diaghilev não era simplesmente um veículo para a
difusão das artes de vanguarda, que, de qualquer modo, variavam de um
país para outro. Nem, na verdade, foi a mesma vanguarda difundida por
todo o mundo ocidental, pois, apesar da continuada hegemonia de Paris sobre grandes regiões de elite cultural, reforçada depois de 1918 pelo
afluxo de expatriados americanos (a geração de Hemingway e Scott
Fitzgeraíd), não mais havia na verdade uma alta cultura unificada no
Velho Mundo. Na Europa, Paris competia com o Eixo Moscou—Berlim, até que o triunfo de Stalin e Hitier silenciou ou dispersou as vanguardas
russa e alemã. Os fragmentos dos antigos impérios habsburgo e otomano
seguiram seu próprio caminho em literatura, isolados por línguas que
ninguém tentava séria ou sistematicamente traduzir até a era da
diáspora antifascista na década de 1930. O extraordinário florescimento
da poesia em língua espanhola dos dois lados do Atlântico não teve
impacto quase nenhum até que a Guerra Civil Espanhola de 1936-9 a
revelasse. Mesmo as artes menos prejudicadas pela torre de Babel, as de
imagem e som, eram menos internacionais do que se poderia supor, como
mostra uma comparação da posição relativa de, digamos, Hindemith dentro
e fora da Alemanha, ou de Poulenc dentro e fora da França. Os cultos
amantes de arte ingleses, inteiramente familiarizados mesmo com os
membros conhecidos da École de Paris do entreguerras, talvez sequer
tivessem ouvido falar dos nomes de pintores expressionistas alemães
importantes como Noide e Franz Marc. Só havia na verdade duas artes de vanguarda que todos os
porta-vozes da novidade artística, em todos os países, podiam com
certeza admirar, e as duas vinham mais do Novo que do Velho Mundo: o
cinema e o jazz. O cinema foi cooptado pela vanguarda durante algum
tempo durante a Primeira Guerra Mundial, depois de inexplicavelmente
ignorado por ela (ver A era dos impérios). Não apenas se tomou essencial
admirar essa arte, e notadamente sua maior personalidade. Charles
Chaplin (a quem poucos poetas modernos de respeito deixaram de dedicar
uma composição), como também os próprios artistas de vanguarda se
lançaram na realização cinematográfica, mais especialmente na Alemanha
de Weimar e na Rússia soviética, onde na verdade dominaram a produção. O
cânone de "filmes de arte" que se esperava que os fãs intelectuais
admirassem em pequenos templos de cinema especializados durante a era
dos cataclismos, de um lado a outro do globo, consistia essencialmente
de criações da vanguarda como: Encouraçado Potemkim, de Sergei
Eisenstein (1898-1948), de 1925, em geral considerado como a obra-prima
de todos os tempos. A sequência da escadaria de Odessa nessa obra, que
quem 182
tenha visto — como eu vi num cinema de vanguarda de Charing Cross, na
década de 1930 —jamais esquece, foi descrita como "a sequência clássica
do cinema mudo, e possivelmente os mais influentes seis minutos da
história do cinema" (Manvell, 1944, pp. 47-8).
De meados da década de 1930 em diante, os intelectuais favoreceram
o cinema francês populista de René Clair; Jean Renoir (não atipicamente,
filho do pintor); Mareei Carne; o ex-surrealista Prévert; e Auric,
ex-membro do cartel musical de vanguarda Lês Six. Estes, como críticos
não intelectuais gostavam de observar, eram menos agradáveis, embora
sem dúvida mais artisticamente refinados que o grosso daquilo que
centenas de milhões (incluindo os intelectuais) viam toda semana em
palácios do cinema cada vez mais gigantescos e luxuosos, ou seja, a
produção de Holiywood. Do outro lado, os show-men realistas de Holiywood
http://www.mestremidia.com.br/ead/mod/resource/view.php?id=908
A estrutura do Breve Século xx parece uma espécie de tríptico ou
sanduíche histórico. A uma Era de Catástrofe, que se estendeu de 1914
até depois da Segunda Guerra Mundial, seguiram-se cerca de 25 ou trinta
anos de extraordinário crescimento económico e transformação social,
anos que provavelmente mudaram de maneira mais profunda a sociedade
humana que qualquer outro período de brevidade comparável.
Retrospectivamente, podemos ver esse período como uma espécie de Era
de Ouro, e assim ele foi visto quase imediatamente depois que acabou, no
início da década de 1970. A última parte do Século foi uma nova era de
decomposição, incerteza e crise — e, com efeito, para grandes áreas do
mundo, como a África, a ex-URSS e as partes anteriormente socialistas da
Europa, de catástrofe. A medida que a década 75 de 1980 dava lugar à de 1990,
o estado de espírito dos que refletiam sobre o passado e o futuro do século
era de crescente melancolia fin-de-siècle. Visto do privilegiado ponto de vista
da década de 1990, o Breve Século xx passou por uma curta Era de Ouro,
entre uma crise e outra, e entrou num futuro desconhecido e problemático,
mas não necessariamente apocalíptico. Contudo, como talvez os historiadores
queiram lembrar aos especuladores metafísicos do "Fim da História",
haverá um futuro. A única generalização cem por cento segura sobre a
história é aquela que diz que enquanto houver raça humana haverá
história.
Ou seja, Hobsbawn dividiu o Breve Século XX, como ele chama, em três partes:
1 - Era de Catástrofe (1914/1945)
2 - Era de Ouro (1945/1970)
3 - Era de Catástrofe II (1970/1990)
E a cultura que surgiu nessa época, foi influenciada ou influenciou esse "sanduíche histórico"? É o que pretendemos descobrir, ao analisar cada período, em sua essência cultural. Nossa sistemática será a de analisar os três períodos separadamente, fazendo breve conclusões a cada etapa, e finalizando com uma resposta a essa pergunta.
As Artes Entre 1914 e 1945
Em 1914, praticamente tudo que se pode chamar pelo amplo e meio indefinido termo de "modernismo" já se achava a postos: cubismo; expressionismo; abstracionismo puro na pintura; funcionalismo e ausência de ornamentos na arquitetura; o abandono da tonalidade na música; o rompimento com a tradição na literatura. Os "modernistas" já estavam maduros em 1914: Paul Klee (35 anos em 1914), Pablo Picasso (33 anos em 1914), Georges Braque e Marcel Duchamp (32 anos em 1914), Franz Kafka (31 anos em 1914), Tarsila do Amaral (28 anos em 1914), Heitor Villa-Lobos (27 anos em 1914), Anita Malfatti (25 anos em 1914) e outros.
Na verdade, as únicas inovações formais depois de 1914 no mundo da vanguarda "estabelecida" parecem ter sido duas: o Dadaísmo, que se transformou ou antecipou o Surrealismo na metade ocidental da Europa, e o Construtivismo soviético na oriental. O Construtivismo, uma excursão por esqueléticas construções tridimensionais e de preferência móveis, que têm seu análogo mais próximo em algumas estruturas de parque de diversão (rodas gigantes, carecas enormes etc.), foi logo absorvido pelo estilo dominante da arquitetura e do desenho industrial, em grande parte por meio da Bauhaus (da qual falaremos mais à frente). Seus mais ambiciosos projetos, como a famosa torre inclinada giratória de Tatlin, em homenagem à Internacional Comunista, jamais chegaram a ser construídos, ou então tiveram vidas evanescentes como decoração dos primeiros rituais públicos soviéticos. Apesar de novo, o Construtivismo pouco mais fez do que ampliar o repertório do modernismo arquitetônico.
Construtivismo: surgiu na Rússia, em 1919 e negava uma "arte pura", procurando abolir a ideia de que a arte é um elemento especial da criação humana, separada do mundo cotidiano. A arte, inspirada pelas novas conquistas do novo Estado Operário, deveria se inspirar nas novas perspectivas abertas pela máquina e pela industrialização, servindo a objetivos sociais e a construção de um mundo socialista. Esse termo foi usado pela primeira vez por Kazimir Severinovich Malevih (1878/1935), para descrever o trabalho de Aleksandr Mikhailovich Rodchenko (1891/1956), em 1917.
Esse movimento durou até 1934, influenciou o De Stijl, o Bauhaus e o Suprematismo e teve, como principais expoentes os cineastas Dziga Vertov (1896/1954) e Sergei Eisenstein (1898/1948), o arquiteto e pintor Alexander Vesnin (1883/1957), o poeta e dramaturgo Vladimir Mayakovsky (1893/1930) e outros.
O dadaísmo tomou forma no meio de um grupo misto de exilados emNa verdade, as únicas inovações formais depois de 1914 no mundo da vanguarda "estabelecida" parecem ter sido duas: o Dadaísmo, que se transformou ou antecipou o Surrealismo na metade ocidental da Europa, e o Construtivismo soviético na oriental. O Construtivismo, uma excursão por esqueléticas construções tridimensionais e de preferência móveis, que têm seu análogo mais próximo em algumas estruturas de parque de diversão (rodas gigantes, carecas enormes etc.), foi logo absorvido pelo estilo dominante da arquitetura e do desenho industrial, em grande parte por meio da Bauhaus (da qual falaremos mais à frente). Seus mais ambiciosos projetos, como a famosa torre inclinada giratória de Tatlin, em homenagem à Internacional Comunista, jamais chegaram a ser construídos, ou então tiveram vidas evanescentes como decoração dos primeiros rituais públicos soviéticos. Apesar de novo, o Construtivismo pouco mais fez do que ampliar o repertório do modernismo arquitetônico.
Construtivismo: surgiu na Rússia, em 1919 e negava uma "arte pura", procurando abolir a ideia de que a arte é um elemento especial da criação humana, separada do mundo cotidiano. A arte, inspirada pelas novas conquistas do novo Estado Operário, deveria se inspirar nas novas perspectivas abertas pela máquina e pela industrialização, servindo a objetivos sociais e a construção de um mundo socialista. Esse termo foi usado pela primeira vez por Kazimir Severinovich Malevih (1878/1935), para descrever o trabalho de Aleksandr Mikhailovich Rodchenko (1891/1956), em 1917.
Esse movimento durou até 1934, influenciou o De Stijl, o Bauhaus e o Suprematismo e teve, como principais expoentes os cineastas Dziga Vertov (1896/1954) e Sergei Eisenstein (1898/1948), o arquiteto e pintor Alexander Vesnin (1883/1957), o poeta e dramaturgo Vladimir Mayakovsky (1893/1930) e outros.
Zurique (onde outro grupo de exilados, sob Lenin, aguardava a
revolução), em 1916, como um angustiado mas irónico protesto niilista
contra a guerra mundial e a sociedade que a incubara, inclusive contra
sua arte. Como rejeitava toda arte, não tinha características formais,
embora tomasse emprestados alguns truques das vanguardas cubista e
futurista pré-1914, entre eles a colagem, ou montagem de pedaços de
imagens, inclusive de fotos. Basicamente, qualquer coisa que pudesse
causar apoplexia entre os amantes de arte burguesa convencional era
dadaísmo aceitável. O escândalo era seu princípio de coesão. Assim, a
exposição por Mareei Duchamp (1887-1968) de um vaso de mictório público
como "arte instantânea" em Nova York, em 1917, encaixava-se
perfeitamente no espírito do dadaísmo, a que ele se juntou ao voltar
dos EUA; mas sua discreta recusa posterior a ter qualquer relação com a
arte — preferia jogar xadrez — não. Pois nada havia de discreto no
dadaísmo.
(*) Matisse e Picasse; Schõnberg e Stravinsky; Gropius e Mies van
der Rohe; Proust, James Joyce, Thomas Mann e Franz Kafka; Yeats, Ezra
Pound, Alexander Blok e Anna Akhmatova. (**) Entre outros, Isaac Babel
(1894); Lê Corbusier (1897); Ernest Hemingway (1899); Bertolt Brecht,
Garcia Lorca e Hamus Eisler (todos nascidos em 1898); Kurt Weill (1900);
Jean-Paul Sartre (1905); e W. H. Auden (1907). 779
O surrealismo, embora igualmente dedicado à rejeição da arte como
era até então conhecida, igualmente dado a escândalos públicos e (como
veremos) ainda mais atraído pela revolução social, era mais que um
protesto negativo; como seria de esperar de um movimento centrado
principalmente na França, um país onde toda moda exige uma teoria. Na
verdade, podemos dizer que, enquanto o dadaísmo naufragava no início da
década de 1920 com a era de guerra e revolução que lhe dera origem, o
surrealismo saía dela com o que se tem chamado de "uma súplica pela
ressurreição da imaginação, baseada no Inconsciente revelado pela
psicanálise, os símbolos e sonhos" (Willett, 1978). Sob certos aspectos, foi uma ressurreição, em trajes do século xx
(ver A era das revoluções, capítulo 14), porém com mais senso de absurdo
e diversão. Ao contrário das vanguardas "modernistas" dominantes, mas
como o dadaísmo, o surrealismo não se interessava pela inovação formal
como tal: se o Inconsciente se expressava num fluxo aleatório de palavras ("escrita automática"), ou no meticuloso estilo académico
século xix em que Salvador Dali (1904-89) pintava seus deliqüescentes
relógios em paisagens desertas, pouco importava. O que contava era
reconhecer a capacidade da imaginação espontânea, não mediada por
sistemas de controle racional, para extrair coesão do incoerente, e uma
lógica aparentemente necessária do visivelmente ilógico ou mesmo
impossível. O Castelo nos Pireneus, de René Margritte (1898-1967),
cuidadosamente pintado à maneira de um postal, sai do topo de uma rocha
imensa, como se houvesse brotado ali. Só que a rocha, como um ovo
gigante, está flutuando no céu acima do mar, pintados com igual cuidado
realista. O surrealismo foi uma contribuição autêntica ao repertório das
artes de vanguarda e sua novidade foi atestada por sua capacidade de
causar impacto, incompreensão ou, o que era a mesma coisa, de provocar
um riso às vezes embaraçado, mesmo entre os membros da vanguarda mais
antiga. Essa foi a minha própria reação, admitidamente juvenil, à
Exposição Surrealista Internacional de 1936 em Londres, e depois a um
amigo pintor surrealista em Paris, cuja insistência em produzir o exato
equivalente em óleo de uma foto de entranhas humanas achei difícil de
entender. Apesar disso, em retrospecto, deve ser visto como um movimento
admiravelmente fértil, sobretudo na França e em países como os
hispânicos, onde a influência francesa era forte. Influenciou poetas de
primeira categoria na França (Eluard, Aragón); Espanha (Garcia Lorca);
Europa Oriental e América Latina (César Vallejo no Peru, Pablo Ne-ruda
no Chile); e na verdade parte dele ainda ecoa na literatura de "realismo
mágico" daquele continente muito tempo depois. Suas imagens e visões —
Max Emst (1891-1976), Magritte, Joan Miro (1893-1983) e sim, mesmo
Salvador Dali — tomaram-se parte das nossas. E, ao contrário da maioria
das vanguardas ocidentais anteriores, de fato fertilizou a principal
arte do século xx, a da câmera. Não por acaso o cinema tem dívidas com
o surrealismo não apenas de LUÍS Bunuel (1900-83), mas também do
principal roteirista do cine- 180 ma francês nessa era, Jacques Prévert (1900-77), enquanto o
fotojomalismo tem dívidas com o surrealismo de Henri Cartier-Bresson
(1908-).
No entanto, somando-se tudo, estas foram ampliações da revolução
da vanguarda nas grandes artes, que já se dera antes que o mundo cujo
colapso ela expressava se fizesse de fato em pedaços. Três coisas se
podem observar sobre essa revolução na era dos cataclismos: a vanguarda
se tomou, por assim dizer, parte da cultura estabelecida; foi pelo
menos em parte absorvida pela vida cotidiana; e — talvez acima de tudo —
tomou-se dramaticamente politizada, talvez mais que as grandes artes em
qualquer período desde a Era das Revoluções. E, no entanto, jamais
devemos esquecer que, durante todo esse período, continuou isolada dos
gostos e preocupações das massas do próprio público ocidental, embora
agora o invadisse mais do que esse público em geral admitia. A não ser por uma minoria um tanto maior que antes de 1914, não era do que a
maioria das pessoas real e conscientemente gostavam.
Dizer que a nova vanguarda se tomou fundamental para as artes
estabelecidas não é afirmar que tomou o lugar do clássico e da moda, mas
que complementou os dois, e se tomou a prova de um sério interesse por
assuntos culturais. O repertório operístico internacional continuou
sendo essencialmente o que era na Era dos Impérios, tendo compositores
nascidos no início da década de 1860 (Richard Strauss, Mascagni), ou
mesmo antes (Puccini, Leoncavallo, Janacek), como os extremos limites
da "modernidade", como, em termos gerais, ainda continuam.*
Contudo, o parceiro tradicional da ópera, o bale, foi transformado
num considerável veículo de vanguarda pelo grande empresário russo
Sergei Diaghilev (1872-1929), sobretudo durante a Primeira Guerra
Mundial. Após sua montagem de 1917, em Paris, de Parade (desenhos de
Picasse, música de Satie, libreto de Jean Cocteau, notas do programa de
Guiliaume Apoilinaire), cenários de gente como os cubistas George Braque
(1882-1963) e Joan Gris (1887-1927); música composta ou reescrita por
Stravinsky, De Falia, Milhaud e Poulenc tornaram-se de rigueur,
enquanto os estilos de dança e coreografia eram modernizados de acordo.
Antes de 1914, pelo menos na Grã-Bretanha, a Exposição
Pós-Impressionista fora vaiada por um público filistino, enquanto
Stravinsky causava escândalo aonde quer que fosse, como causou o Armory
Show em Nova York e em outras partes. Após a guerra, os filistinos
calaram-se diante das provocativas exposições do "modernismo", das
deliberadas declarações de independência do desacreditado mundo do
pré-guerra, manifestos de revolução cultural. E, através do bale
modernista, explorando sua combinação única de apelo esnobe, magnetismo
da voga (mais a nova Vogue)
(*) E significativo o fato de que, com relativamente raras
exceções —Alban Berg, Benjamin Britten — as grandes criações para o
palco musical após 1918 — por exemplo A ópera dos três vinténs,
Mahagonny, Porgy and Bess — não tenham sido escritas para teatros de
ópera oficiais. 181
e status artístico de elite, a vanguarda irrompeu de sua paliçada.
Graças a Diaghilev, escreveu uma figura típica do jornalismo cultural
britânico da década de 1920, "a multidão apreciou positivamente os
cenários dos melhores e mais ridicularizados pintores vivos. Ele nos deu
Música Moderna sem lágrimas e Pintura Moderna sem risos" (Mortimer,
1925). s^ O bale de Diaghilev não era simplesmente um veículo para a
difusão das artes de vanguarda, que, de qualquer modo, variavam de um
país para outro. Nem, na verdade, foi a mesma vanguarda difundida por
todo o mundo ocidental, pois, apesar da continuada hegemonia de Paris sobre grandes regiões de elite cultural, reforçada depois de 1918 pelo
afluxo de expatriados americanos (a geração de Hemingway e Scott
Fitzgeraíd), não mais havia na verdade uma alta cultura unificada no
Velho Mundo. Na Europa, Paris competia com o Eixo Moscou—Berlim, até que o triunfo de Stalin e Hitier silenciou ou dispersou as vanguardas
russa e alemã. Os fragmentos dos antigos impérios habsburgo e otomano
seguiram seu próprio caminho em literatura, isolados por línguas que
ninguém tentava séria ou sistematicamente traduzir até a era da
diáspora antifascista na década de 1930. O extraordinário florescimento
da poesia em língua espanhola dos dois lados do Atlântico não teve
impacto quase nenhum até que a Guerra Civil Espanhola de 1936-9 a
revelasse. Mesmo as artes menos prejudicadas pela torre de Babel, as de
imagem e som, eram menos internacionais do que se poderia supor, como
mostra uma comparação da posição relativa de, digamos, Hindemith dentro
e fora da Alemanha, ou de Poulenc dentro e fora da França. Os cultos
amantes de arte ingleses, inteiramente familiarizados mesmo com os
membros conhecidos da École de Paris do entreguerras, talvez sequer
tivessem ouvido falar dos nomes de pintores expressionistas alemães
importantes como Noide e Franz Marc. Só havia na verdade duas artes de vanguarda que todos os
porta-vozes da novidade artística, em todos os países, podiam com
certeza admirar, e as duas vinham mais do Novo que do Velho Mundo: o
cinema e o jazz. O cinema foi cooptado pela vanguarda durante algum
tempo durante a Primeira Guerra Mundial, depois de inexplicavelmente
ignorado por ela (ver A era dos impérios). Não apenas se tomou essencial
admirar essa arte, e notadamente sua maior personalidade. Charles
Chaplin (a quem poucos poetas modernos de respeito deixaram de dedicar
uma composição), como também os próprios artistas de vanguarda se
lançaram na realização cinematográfica, mais especialmente na Alemanha
de Weimar e na Rússia soviética, onde na verdade dominaram a produção. O
cânone de "filmes de arte" que se esperava que os fãs intelectuais
admirassem em pequenos templos de cinema especializados durante a era
dos cataclismos, de um lado a outro do globo, consistia essencialmente
de criações da vanguarda como: Encouraçado Potemkim, de Sergei
Eisenstein (1898-1948), de 1925, em geral considerado como a obra-prima
de todos os tempos. A sequência da escadaria de Odessa nessa obra, que
quem 182
tenha visto — como eu vi num cinema de vanguarda de Charing Cross, na
década de 1930 —jamais esquece, foi descrita como "a sequência clássica
do cinema mudo, e possivelmente os mais influentes seis minutos da
história do cinema" (Manvell, 1944, pp. 47-8).
De meados da década de 1930 em diante, os intelectuais favoreceram
o cinema francês populista de René Clair; Jean Renoir (não atipicamente,
filho do pintor); Mareei Carne; o ex-surrealista Prévert; e Auric,
ex-membro do cartel musical de vanguarda Lês Six. Estes, como críticos
não intelectuais gostavam de observar, eram menos agradáveis, embora
sem dúvida mais artisticamente refinados que o grosso daquilo que
centenas de milhões (incluindo os intelectuais) viam toda semana em
palácios do cinema cada vez mais gigantescos e luxuosos, ou seja, a
produção de Holiywood. Do outro lado, os show-men realistas de Holiywood
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